
Genética na Comunidade
Como é feito um estudo epidemiológico? Qual a relevância de cada forma de estudo? Ana Paula Lechetta e Michelle Susin
Estudos epidemiológicos podem ser classificados em: observacionais e experimentais. O que difere um do outro é a presença ou não de alguma intervenção. Essa intervenção pode ser o uso de algum medicamento pelos participantes da pesquisa ou a introdução de vacinas, por exemplo. A seguir serão descritos os principais estudos epidemiológicos.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS: o pesquisador apenas mede; analisa algo, não ocorre uma intervenção. Essa forma de estudo apenas descreve a ocorrência de uma doença, por exemplo, em uma determinada amostra (população). Os principais exemplos de estudos observacionais são:
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Caso controle: É o estudo da presença ou não de fatores de risco em indivíduos doentes (casos) e não doentes (controles). Esse estudo parte do efeito (doença) para elucidar as causas (exposição). A figura 1 exemplifica um estudo caso controle que tem o objetivo de analisar a possível associação entre câncer de pulmão e tabagismo. Partindo de uma determinada população, dividem-se os indivíduos doentes (casos) e os não doentes (controles), dentro de cada um desses grupos são analisados, por meio do histórico dos participantes, aqueles que fumaram (com fator de risco) e os que não fumaram (sem fator de risco). Esse histórico pode ser um prontuário médico ou a aplicação de um questionário aos participantes, por exemplo.

Figura 1. Desenho de estudo caso controle. A pesquisa parte de uma amostra aleatória da população, na qual é analisada a presença ou não da doença (câncer de pulmão). A partir daí a amostra é dividida em um grupo doente (casos) e um grupo não doente (controles). Por meio de informações do histórico desses dois grupos, eles são subdivididos em expostos (com fator de risco, fumantes) e não expostos (sem fator de risco, não fumantes). Após uma análise estatística desses resultados é possível determinar se existe ou não associação entre a doença (câncer de pulmão) e a exposição (tabagismo).
Por fim, através de uma análise estatística é determinada a relação entre a exposição (tabagismo) e o desenvolvimento da doença (câncer de pulmão). Esse é um estudo retrospectivo, ou seja, o desfecho (doença) já ocorreu e a pesquisa irá analisar o histórico do indivíduo para a avaliação dos fatores de risco (tabagismo).É definido como um estudo longitudinal, pois realiza um acompanhamento com os participantes, ou seja, analisa os participantes várias vezes durante o estudo, através de seu histórico.
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Coorte: a análise do estudo de coorte ao contrário do estudo anterior parte do risco para a doença. Inicialmente é agrupado um conjunto de indivíduos que não apresentam o desfecho (doença), mas que podem vir a desenvolvê-lo. Esse grupo é classificado de acordo com a presença do possível fator de risco. Ao final do estudo, é possível determinar se a exposição (provável fator de risco) interfere no desenvolvimento do desfecho (doença). A figura 2 exemplifica o desenho de um estudo coorte, no qual é selecionado um grupo de indivíduos que não apresenta câncer de pulmão (desfecho do estudo), e essa amostra é dividida em indivíduos expostos ao fator de risco (tabagismo) e não expostos ao fator de risco. Após um período de observação, normalmente anos, é analisada a incidência do desfecho (câncer de pulmão) entre esses grupos, a fim de elucidar se existe ou não associação entre a doença e a exposição. Ao contrário do estudo caso-controle, esse desenho de estudo é prospectivo, ou seja, analisa o que ainda irá acontecer com o participante da pesquisa. É também um estudo longitudinal que acompanha o paciente várias vezes.

Figura 2. Desenho de estudo coorte. A pesquisa parte de uma amostra de indivíduos que não apresentam câncer de pulmão (desfecho), e divide-a em pacientes com fator de risco (fumantes, expostos) e pacientes sem fator de risco (não fumantes, não expostos). Esses grupos são acompanhados durante um determinado tempo e então subdivididos em doentes (com câncer de pulmão) e não doentes (sem câncer de pulmão). Após uma análise estatística dos resultados é possível determinar se existe ou não associação entre a doença (câncer de pulmão) e a exposição (tabagismo).
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Estudo Transversal (estudo de prevalência; exemplo: ecológico): analisa de forma simultânea, e apenas uma vez, a exposição e desfecho. A amostra é dividida de acordo com essa única medição em um determinado momento único. Os estudos transversais não conseguem determinar o que ocorre primeiro, ou seja, não determinam o que é causa ou efeito. Um estudo que quer analisar a prevalência de câncer de mama e ingesta de bebida alcoólica em mulheres de uma determinada cidade, por exemplo, é realizado um levantamento de dados das mulheres que naquele momento apresentam câncer de mama e fazem uso de bebida alcoólica. Ao final do estudo não é possível determinar se a ingesta de bebida alcoólica é um fator de risco para o desenvolvimento de câncer de mama, ou se as mulheres primeiro apresentaram câncer de mama e então começaram a fazer uso de bebida alcoólica. A impossibilidade de definir causa e efeito nesse desenho de estudo é uma das suas desvantagens. Porém, é uma forma de levantar hipóteses para futuras pesquisas.
EXPERIMENTAIS OU DE INTERVENÇÃO: nesse método de pesquisa o pesquisador intervém na amostra, por meio de uma medicação, por exemplo, e analisa o desfecho dos participantes (eficácia do medicamento, efeitos colaterais)
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Ensaio Clínico Randomizado: é o tipo de estudo mais utilizado para testar a eficácia de alguma intervenção (de um medicamento/de uma terapia) sobre a saúde de uma população. O pesquisador define a população que se pretende estudar, por meio de critérios de inclusão e exclusão. Aos indivíduos dessa amostra é, então, de um modo aleatório, aplicada a intervenção que se pretende estudar (novo medicamento, por exemplo) ou uma intervenção alternativa, com a qual a primeira será comparada. Essa intervenção alternativa pode ser o placebo, que é uma formulação sem efeito farmacológico. Quando essa divisão é feita de forma aleatória, por meio de métodos estatísticos, o estudo é denominado randomizado. A randomização é uma forma de deixar os dois grupos do estudo homogêneos, com participantes dos dois sexos e faixas etárias próximas, por exemplo. Essa estratégica evita fatores de confusão, como aplicar o medicamento apenas em indivíduos do sexo feminino e ao final não poder determinar se a intervenção fez efeito apenas porque funciona nesse sexo. O grupo que recebe a intervenção é denominado grupo experimental e o outro que recebe a intervenção alternativa é denominado grupo controle. Figura 3 ilustra o desenho de um ensaio clínico randomizado para avaliar a reposição hormonal com testosterona em portadores da Síndrome de Klinefelter.

Figura 3. Desenho de ensaio clínico randomizado placebo x testosterona. A partir da amostra de portadores da Síndrome de Klinefelter, o grupo é randomizado e alocado em grupo controle (recebe placebo) e grupo de intervenção (recebe testosterona). Após um acompanhamento adequado é realizada uma análise estatística dos resultados e analisada a eficácia, efeitos adversos da terapia com testosterona em portadores da Síndrome de Klinefelter.
A informação sobre qual intervenção cada paciente recebeu pode ser omitida apenas dos participantes (simples-cego); dos participantes e pesquisadores (duplo-cego); dos participantes, pesquisadores e demais profissionais envolvidos no estudo (triplo-cego) ou pode ser um estudo aberto no qual todos os envolvidos na pesquisa têm o conhecimento da alocação dos grupos (Tabela 1). A principal vantagem de omitir essa informação para os grupos é afastar influências psicológicas (expectativa, adesão a pesquisa) em relação ao resultado final. Um participante que saiba que recebeu placebo, por exemplo, pode não se dedicar em realizar o acompanhamento adequado durante a pesquisa comparado ao participante que recebeu o medicamento.
Tabela 1. Classificação dos ensaios clínicos de acordo com os grupos que têm conhecimento da alocação dos participantes da pesquisa. Simples-cego; Duplo-cego; Triplo-cego e Aberto.

O ensaio clínico randomizado duplo-cego é considerado método padrão de avaliação das intervenções terapêuticas. É o método que apresenta melhor evidência da eficácia de um tratamento, e é obrigatório ter esse tipo de estudo para iniciar a utilização de qualquer tratamento na população.
ESTUDO DE METANÁLISE: os estudos de metanálise analisam um conjunto de estudos ou trabalhos já publicados, em relação a algum tema específico com o objetivo de produzir um sumários com os pontos em comum e discordantes entre esses estudos. A principal vantagem dessa forma de estudo é poder padronizar os resultados presentes na literatura com o objetivo de compará-los, isso permite chegar a uma conclusão mais fidedigna sobre qual é a verdadeira resposta à questão levantada.